Apesar de as urnas terem consagrado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o novo presidente do Brasil, o eleitorado de direita está mais consolidado do que nunca. Essa é uma das conclusões vindas do levantamento Panorama Político 2023, realizado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado. A politização também se intensificou após o último pleito, o que denota que a política entrou de vez para os assuntos discutidos pela população.
Em 2021, 55% dos brasileiros não se consideravam nem de esquerda, nem de direita ou de centro. Em 2022, esse índice caiu para 38%, já que mais brasileiros se posicionaram como sendo de esquerda (17%) ou de direita (31%). Para o coordenador do DataSenado, Marcos Ruben de Oliveira, o fenômeno deverá ser observado nas próximas pesquisas, uma vez que o último levantamento foi realizado logo após o pleito.
“A proximidade com as eleições e o momento que nós estávamos vivendo fortaleceu muito essa tomada de posição. Antes, as pessoas evitavam tomar um posicionamento, mas estão mais convictas, se sentindo mais à vontade pra viver o posicionamento político. A identificação com as campanhas fez com que elas se posicionassem. Em relação a essas questões de moral e dos costumes, as pessoas acabaram se posicionando mais claramente nessa edição da pesquisa”, analisa Oliveira.
Influência nas urnas
O coordenador ressalta que o grande divisor de águas para o resultado da eleição ter pendido para a esquerda foram os eleitores que se diziam de centro ou que não se posicionaram. “O que fez a diferença foram os 38% que não se identificam nem com um nem com outro. E mais os 9% que se identificam com o centro. Então são 47% de eleitores que não se posicionam sequer à direita, tampouco à esquerda. A busca pelo voto ficou nesse percentual que não se posiciona”, frisa.
O cientista político do Insper Leandro Consentino traça duas hipóteses para esse movimento diagnosticado no levantamento. “O primeiro deles diz respeito ao nascimento de uma direita no Brasil. Há muito tempo a gente tinha um debate muito localizado entre o centro e a esquerda, nenhum deles se dizendo direita plenamente, e agora existe uma direita que se afirma enquanto tal e tem orgulho de exprimir esse rótulo. A segunda questão está ligada ao fato do próprio crescimento do antipetismo nas eleições, ou seja, essas pessoas que estão se afirmando de direita, de alguma forma, querem marcar posição de que não coadunam com a vitória eleitoral do presidente progressista.”
Consentino relembra que, apesar da eleição de um presidente de esquerda, os demais cargos disputados, especialmente no Legislativo, não seguiram essa tendência. “A gente teve um Congresso com um perfil muito mais conservador. Se a gente pensar na maior bancada, é a do PL, que é um partido que assumiu o rótulo e se orgulha desse rótulo de direita neste momento. Portanto, faz parte desse movimento mais amplo dentro da sociedade essa questão de ter ampliado os números da direita. Nos estados, houve governadores que reafirmaram com orgulho esse rótulo, vide São Paulo, vide Minas Gerais, e mesmo alguns candidatos que acabaram ficando aí pelo caminho, como o derrotado Onyx Lorenzoni, no Rio Grande do Sul”, detalha.
Democracia fortalecida
Outro ponto de atenção trazido nos dados coletados foi o aumento da crença na democracia como a melhor opção de forma de governo. “A democracia saiu fortalecida dessas eleições. A gente pode afirmar de fato que esse apoio se revelou maior nos últimos anos”, diz Oliveira. O coordenador destaca ainda um ponto de curiosidade: tanto eleitores da esquerda quanto da direita defendem o Estado Democrático de Direito.
“Nós, da equipe do DataSenado, escutamos também uma parte das entrevistas no processo que a gente chama de auditoria. Nela, a gente observa que tanto as pessoas que se identificam com a direita quanto aquelas que se identificam com a esquerda defendem a democracia. Esse foi um fenômeno muito interessante e qualitativo, está na fala das pessoas. Ambos defendem a democracia, mas cada um entende o seu lado como o lado mais democrático. Cada um entende que o outro lado não é tão democrático quanto o próprio.”
Apesar disso, a confiança nas urnas teve uma queda, quando comparada com a série histórica. Na pesquisa realizada em 2022, 58% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que “o resultado das urnas eletrônicas em eleições é confiável”. Houve queda de oito pontos percentuais nesse nível de concordância, e aumento no nível de discordância.
Oliveira acredita que, além dos ataques às urnas feitos por políticos de direita, outro fator que contribui para o aumento da desconfiança é o fato de o resultado não ser o esperado por quem votou no seu candidato. “Quando a gente pega o resultado por identificação com a linha política, por exemplo, 93% dos que se identificam com a esquerda confiam nas urnas e apenas 21% dos que se identificam de direita confiam. É importante fazer esse recorte”, enfatiza o pesquisador. “O brasileiro em geral acredita que os resultados são confiáveis, validam esse resultado. A exceção, nessa eleição, foram as pessoas que se identificam com a direita.”
O levantamento foi feito entre 8 e 26 de novembro de 2022, logo após o resultado nas urnas, e ouviu, por telefone, 2.007 cidadãos de 16 anos de idade ou mais, em amostra representativa da população.
Correio Braziliense