O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão que julgou parcialmente procedente o pedido de Ricardo Coutinho de transferir um processo da Operação Calvário do Tribunal de Justiça da Paraíba para a Justiça Eleitoral no estado. O relatório da subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, narra como Ricardo Coutinho e a organização criminosa, que as denúncias apontam ser liderada por ele, agiam não de forma eleitoreira, mas sim, focados no desvio de recursos públicos, independente da época da eleição.
O MPF pede a “reconsideração da decisão impugnada ou, caso assim não seja, o provimento do Agravo Interno, para que não seja admitida a reclamação ou caso assim não seja, que seja julgada improcedente” a ação de Ricardo para remeter à Justiça Eleitoral o processo.
Ricardo Coutinho quer Justiça Eleitoral
O ex-governador busca ser julgado pela Justiça Eleitoral alegando que foram atribuídas a ele acusações de práticas ligadas à campanha de 2014 para o cargo de governador. No Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), a manifestação já foi rejeitada e processos dele foram enviados à Justiça Comum. Todavia, o ministro Gilmar Mendes atendeu recurso de Ricardo apresentado no STF e transferiu um processo para a Justiça Eleitoral, abrindo um precedente.
Operação Calvário
A Operação Calvário foi instaurada para investigar os desvios de recursos públicos do Estado, na gestão de Ricardo Coutinho, através da saúde e educação, com forte participação da Cruz Vermelha filial do Rio Grande do Sul.
Organizações Sociais, Daniel Gomes, Cruz Vermelha
Ricardo Coutinho foi denunciado pelo Ministério Público do Estado da Paraíba juntamente com outros 34 acusados, em razão da prática do crime de organização criminosa, tipificado no art. 2º da Lei nº 12.850/2013. O MPF lembra que o Ministério Público do Rio de Janeiro desvendou um esquema de corrupção envolvendo Daniel Gomes, então dirigente das Organizações Sociais (OSs) Cruz Vermelha do Brasil, filial do Rio Grande do Sul (CVB/RS), e IPCEP (Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional).
Descobriu-se que o modo de operar do grupo era com desvio de recursos públicos destinados à saúde do estado do Rio de Janeiro. Depois, foi descoberto que Daniel Gomes ampliou a atuação para outros estados, inclusive na Paraíba. Segundo o documento, o ex-senador Ney Suassuna foi quem apresentou Daniel Gomes a Ricardo Coutinho. De lá para cá, as OS’s foram instaladas na gestão de Ricardo e foram descobertas as supostas práticas criminosas.
Desvios de recursos
O MPF aponta, com auxílio do relatório feito pela procuradora regional eleitoral Acácia Soares Pereira Suassuna, do TRE-PB, que, desde o início, o interesse do grupo era o desvio de recursos públicos e não a prática de crimes eleitorais, razão pela qual não seria motivo para transferir processos da Operação Calvário para a Justiça Eleitoral.
A subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, apresentou relato feito pela procuradora regional eleitoral Acácia Soares Pereira Suassuna, quando o processo tramitou no TRE-PB. A procuradora pontuou que, um “ponto claro que demove a finalidade eleitoral é o fato das condutas terem alargado-se no tempo, por mais de uma década, não escolhendo o prélio eleitoral como marco de suas consumações. Isso porque a ideia era justamente contratar a filial da Cruz Vermelha do Brasil no Rio Grande do Sul (CVB/RS), representada por DANIEL GOMES, para gerir hospitais públicos, e em troca este pagaria valores de forma a recompensar o grupo político que o mantinha no controle.”
Cita ainda que “contudo, à época, a legislação do estado da Paraíba não previa a possibilidade de prestação de serviços essenciais, como a saúde, por organizações sociais. Assim, para conferir a roupagem legal necessária ao plano de captura da saúde pela ORCRIM, o então coordenador jurídico do governo JOVINO MACHADO DA NÓBREGA NETO apontou a solução jurídica em etapas.”
Também narra que “a primeira etapa era a edição de uma Medida Provisória com vigência de 180 dias para instituir “a qualificação de Organizações Sociais para a gestão de unidades de saúde no Estado da Paraíba; (2) no dia 05/07/2011, a Secretaria de Administração (SEAD) editaria uma portaria qualificando (confirmando) a CVB/RS como OSS; e (3) no dia 06/07/2011, seria assinado o contrato emergencial com a CVB/RS para a gestão do Hospital de Trauma/JP”.
Ainda conforme o relatório, “é preciso realçar que foi JOVINO MACHADO quem constatou que, apesar da prévia qualificação da CVB/RS, no Município de Balneário Camboriú, o estatuto da entidade não estava totalmente adequado aos parâmetros da Lei nº 9.637/98, o que impediria a sua qualificação como OSs, no Estado da Paraíba. Assim, a fim de resolver a questão, ele decidiu incluir no capítulo das disposições finais e transitórias da Medida Provisória 178, de 4 de julho de 2011 – que instituiu o programa de gestão pactuada – o artigo 33, previsão que quaisquer Organizações Sociais qualificadas pelo Poder Público da União, dos Estados, do Distrito Federal ou de Municípios com 100.000 habitantes ou mais, poderiam ter a confirmação de sua qualificação por ato da Secretária de Estado da Administração, cargo então desempenhado pela colaboradora LIVÂNIA FARIAS (Id 15729508 – ff. 24).””, Livânia Farias é uma das investigadas, tendo sido até presa em uma das fases da Operação Calvário e aceitado fazer delação premiada.
Também segundo o relato feito pela procuradora eleitoral do TRE-PB, “com a questão jurídico-legal solucionada, em 6 de julho de 2011, foi implementado o programa de gestão pactuada no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (HETSHL), através de contrato emergencial (Contrato de Gestão nº. 001/2011), por meio de procedimento viciado de dispensa de licitação, firmado com a CVB/RS, no valor mensal de R$ 6.900.000,00 (seis milhões e novecentos mil reais). Nesse valor, já estava integralizada a propina mensal acordada, no valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), conforme trazido pelas colaborações premiadas à investigação. Inaugurou-se, pois, um sistema altamente complexo e estruturado de captação do sistema de saúde pública paraibano, por meio do qual ocorria o pagamento disfarçado de propinas que retroalimentava todo o esquema formado por agentes políticos que, por serem detentores do poder de ingerência decorrentes dos cargos por eles ocupados, permitiram a sua continuidade ao longo de, pelo menos, 10(dez) anos.”
O relatório da procuradora Acácia Soares aponta como a organização criminosa denunciada precisava ramificar-se e buscou inserir membros do Executivo e Legislativo para manter estabilidade e dar continuidade aos negócios, inclusive com a intenção de atuar nos municípios.
Incompetência da Justiça Eleitoral no julgamento
A subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio, lembra que o relator da Calvário no TJPB, determinou a remessa ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba para que a Corte examinasse sua competência de julgar a ação. No dia 25 de abril deste ano, o juiz relator Roberto D’Horn Moreira Monteiro da Franca Sobrinho votou pela incompetência do TRE-PB neste julgamento e foi acompanhado pelos colegas, sendo o processo remetido novamente à Justiça Comum.
A subprocuradora destaca que “o eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, acolheu a pretensão para declarar a competência daquela justiça especializada para o julgamento do processo criminal, sem fazer qualquer menção ao fato de o Tribunal Regional Eleitoral já ter reconhecido a sua incompetência.”
E pediu, então, a reconsideração da decisão do ministro Gilmar Mendes.