O presidente Jair Bolsonaro sancionou, sem vetos, o projeto que flexibiliza a lei de improbidade administrativa e passa a exigir a comprovação de dolo (intenção) para a condenação de agentes públicos pelo crime de improbidade. A sanção foi publicada na edição desta terça-feira (26) do “Diário Oficial da União (DOU)”.
A Câmara dos Deputados concluiu no dia 6 de outubro a votação do projeto. A matéria foi aprovada em junho, mas voltou para análise dos deputados porque foi modificada pelo Senado.
No dia 6, os deputados rejeitaram o único destaque (sugestão de alteração) que foi à votação e, com isso, mantiveram uma mudança feita pelo Senado para dar prazo de até um ano, após a publicação da lei, para que o Ministério Público manifeste interesse na continuidade de um processo de improbidade administrativa.
Na versão original da Câmara, no caso de ações abertas antes da vigência da lei, as Fazendas Públicas poderiam manter a titularidade das ações até o final dos processos.
Segundo o deputado General Peternelli (PSL-SP), que defendeu a aprovação do destaque, um ano é um período curto para que o Ministério Público analise as ações — portanto, a versão da Câmara seria mais adequada, segundo ele.
“Essa proposta faz com que todas as ações que tiveram início na Fazenda Nacional parem, prejudicando-as. O Ministério Público terá que analisar todas essas ações no prazo de um ano. Isso não vai permitir uma análise correta”, justificou General Petternelli (PSL-SP), a favor do destaque.
A proposta
A lei de improbidade administrativa, de 1992, trata das condutas de agentes públicos que:
atentam contra princípios da administração pública;
promovam prejuízos aos cofres públicos;
enriqueçam ilicitamente, se valendo do cargo que ocupam.
Uma das principais alterações estabelecidas pela proposta era justamente a exigência de comprovação de dolo — intenção de cometer irregularidade — para a condenação de agentes públicos.
Pelo projeto, servidores públicos que tomarem decisões com base na interpretação de leis e jurisprudências também não poderão ser condenados por improbidade.
O texto ainda determina que só será cabível ação por improbidade se houver dano efetivo ao patrimônio público.
Até então, a lei de improbidade permite a condenação de agentes públicos que lesarem os cofres públicos por omissões ou atos dolosos e culposos, isto é, com ou sem intenção de cometer crime
Para especialistas, a mudança prevista no projeto, na prática, dificulta a condenação e, consequentemente, pode atrapalhar o combate a irregularidades.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, é “muito difícil” comprovar a intenção nos casos de improbidade.
Por sua vez, defensores da medida, parlamentares em sua maioria, dizem que a alteração é necessária para dar mais segurança aos gestores públicos na tomada de decisões, principalmente, nas prefeituras de pequenas cidades.
Enriquecimento ilícito
O projeto estabelece também que, em casos de enriquecimento ilícito e prejuízo aos cofres públicos, a sanção de perda de função pública atinge somente o vínculo de mesma natureza da época que o político cometeu a infração.
Ou seja, se um deputado federal for condenado por improbidade em razão de fatos da época em que era um deputado estadual, por exemplo, ele não pode perder o mandato.
O texto permite, no entanto, que, em caráter excepcional, a Justiça estenda a punição a outros vínculos públicos “considerando-se as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”.
Exclusividade do MP
Pelo texto, o Ministério Público será o único órgão legitimado a propor ações de improbidade. Atualmente, órgãos de estados, municípios e a União podem propor essas ações.
Isso, segundo Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, pode afetar as negociações dos acordos de leniência da lei anticorrupção.
Restrições
O texto do projeto também deixa de exemplificar condutas consideradas como improbidade administrativa para definir, em um rol restrito, taxativo, o que de fato pode ser considerado improbidade.
Advogados públicos da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais dizem que esta mudanças excluem condutas hoje consideradas improbidade, como assédio sexual, moral e tortura.
Acordo de não persecução
O texto também prevê que o Ministério Público poderá fechar acordo de não-persecução penal, no qual o Estado decide não processar um criminoso por determinado delito.
Segundo a proposta, o acordo só poderá ser feito se forem cumpridos os seguintes requisitos:
integral ressarcimento do dano; revertida à pessoa jurídica lesada a vantagem indevida obtida;
seja ouvido o ente federativo lesado;
seja aprovado o acordo, no prazo de até 60 dias, pelo órgão do Ministério Público competente;
haja homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa.
Conforme a proposta, a celebração deste acordo levará em conta:
personalidade do agente;
natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato de improbidade;
vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
O projeto estabelece ainda que o acordo poderá ser feito:
durante as investigações;
no curso da ação de improbidade;
após a execução da sentença condenatória.
A competência para firmar o acordo será de exclusividade do MP. Se o investigado descumprir os termos do acordo de não persecução, ficará 5 anos sem poder fazer novo acordo do tipo com o órgão.
Nepotismo
O relator da proposta na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), rejeitou em seu parecer um dispositivo, incluído pelos senadores, que retirava a exigência de comprovação de dolo em caso de nepotismo em indicações políticas feitas por agentes públicos que tenham cargo eletivo.
Ou seja, na prática, a lei exigirá provas de que a indicação de um familiar foi feita com intenção de cometer irregularidade.
O relator defende que a redação da proposta, como veio do Senado, é dúbia. Além disso, afirma que a proposta caracteriza o nepotismo como improbidade administrativa.
G1