O ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) se tornou réu em mais um processo oriundo da operação Calvário. A juíza Michelini de Oliveira Dantas Jatobá, da Vara de Entorpecentes da Capital, recebeu denúncia do Ministério Público da Paraíba (MPPB). A denúncia diz respeito ao episódio em que o ex-servidor do governo do Estado, Leandro Nunes Azevedo, foi ao Rio de Janeiro para, supostamente, receber quase R$ 900 mil pagos a título de propina pela Cruz Vermelha Brasileira. O dinheiro teria sido entregue em uma caixa de vinho.
Neste processo, Coutinho é acusado de é apontado em investigação do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) como “mentor intelectual” do episódio que ficou conhecido como “escândalo das caixas de vinho”, revelado pela operação Calvário. O caso teria ocorrido em 2018. O episódio teria ocorrido em agosto daquele ano, no Rio de Janeiro.
O Gaeco pede, na denúncia, a condenação de Ricardo Coutinho pela infração de pelo menos dois dispositivos do Código Penal e ainda a devolução dos R$ 900 mil. As denúncias trazem em seu conjunto probatório gravações feitas pelo ex-comandante da Cruz Vermelha, Daniel Gomes da Silva, e ainda as revelações feitas por Livânia Farias, Leandro Nunes e Michelle Lozada. A pena prevista nos crimes é de reclusão de dois a 12 anos e multa.
A magistrada está atuando no processo na qualidade de substituta imediata do juízo da 5ª Vara Criminal e diante da suspeição averbada pelos magistrados na ordem de substituição precedente.
Ao receber a denúncia, nos termos apresentados pelo Ministério Público, a juíza determinou a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias, conforme o previsto no artigo 396 do Código de Processo Penal. Ela explica que, na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
No memorial descritivo, a ex-secretária de Administração do Estado, Livânia Farias, aparece como a agenciadora do recebimento do dinheiro. Leandro Nunes, então assessor da pasta comandada por Livânia, foi ao Rio de Janeiro, em 2018, para o recebimento de R$ 900 mil a título de propinas sob o conhecimento do ex-governador. O dinheiro foi entregue em um hotel, na capital fluminense, por Michelle Lozada Cardoso, então secretária de Daniel Gomes.
A investigação aponta que o ex-governador tinha conhecimento e até cobrava o pagamento das propinas. Confira trecho de conversa na qual Ricardo, de acordo com o Ministério Público, faz cobranças a Daniel pelo pagamento de propinas:
Conversa entre Daniel Gomes e Ricardo que demonstraria o conhecimento do governador sobre as propinas. Foto: reprodução
A origem do dinheiro no episódio do Rio de Janeiro é descrita também na denúncia. Ela é fruto das propinas pagas por fornecedores e coletadas por Daniel Gomes, mandatário da Cruz Vermelha. O destino da maior parte do dinheiro teria sido o pagamento de dívidas de campanha do pleito de 2018. O material probatório fala ainda do recebimento de “mesada” de R$ 350 mil mensais, acertada por Livânia, e cujo gasto era coordenado pelo ex-governador, que, de acordo com as denúncias, não aparecia diretamente nas operações. Para isso, eram envolvidos auxiliares do governo.
Ex-governador é apontado como autor intelectual dos crimes. Foto: Reprodução
O ex-governador já foi alvo de outras denúncias relacionadas à operações Calvário. Ele é apontado no esquema como o chefe de uma suposta organização criminosa que teria atuado na Paraíba entre 2011 e 2018. Neste período, teria conseguido montar e manter um esquema de poder sustentado pelo recebimento de propinas pagas por fornecedores do estado. Os recursos teriam sido usados para o financiamento de campanhas e para o enriquecimento ilícito dos supostos membros da organização.
A relação de Ricardo com Daniel Gomes, da Cruz Vermelha, é relatada na investigação como uma construção iniciada em 2010, época da campanha eleitoral. Naquele ano, fazendo uso do nome do tio, o empresário doou R$ 300 mil para a campanha e depois remeteu mais R$ 200 mil para o grupo. O dinheiro teria sido doado, de acordo com o Ministério Público, para a pavimentação do esquema criminoso que teria começado a produzir seus efeitos a partir de 2011.
A Cruz Vermelha Brasileira foi credenciada para comandar inicialmente o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena. Depois, através do uso do Ipcep, o grupo comandado por Daniel Gomes abocanhou também o comando dos hospitais Metropolitano Dom José Maria Pires e o Regional de Mamanguape. A operação Calvário investiga o suposto desvio de R$ 134,2 milhões dos cofres públicos ao longo de oito anos.
A apuração diz que os esquemas de desvios de dinheiro na gestão socialista foram iniciados ainda durante o período de comando da prefeitura de João Pessoa. “Cumpre frisar que, embora o foco inicial da investigação tenha se centrado nos fatos ligados a chegada de DANIEL GOMES à Para??ba, nos idos de 2011, tem-se que ela desvelou, juntamente com as colaboraçõ es processuais firmadas, que este denunciado já havia começado a formatação e a estruturação da sobredita ORCRIM (que hipertrofiaria mais tarde) no âmbito da Prefeitura Municipal de João Pessoa, como se notou nas apurações relativas aos casos “cuia”, ‘jampa digital’, ‘do gari da Emlur’ e ‘dos livros'”, relata a denúncia.
“Efetivada a citação e não apresentada resposta no prazo legal, na ausência de advogado constituído, nomeio desde já o Defensor Público atuante neste Juízo para oferecer resposta à acusação, por escrito, no prazo legal, concedendo-lhe vista dos autos para tal mister”, destaca outro trecho da decisão da juíza Michelini Jatobá. Ela considerou ser inaplicável a suspensão condicional do processo de que trata o artigo 89 da Lei 9.099/90, tendo em vista que a pena mínima cominada para o crime em questão excede um ano.
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