A investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) sobre o desvio de dinheiro público da saúde por organizações sociais levanta a suspeita de que o dinheiro entregue a Leandro Nunes, ex-assessor da secretaria de administração do Governo da Paraíba, era para a campanha eleitoral de 2018. O grupo atuava através de duas organizações sociais: a filial gaúcha da Cruz Vermelha e Instituto de Psicologia Clínica, Educacional e Profissional do Rio de Janeiro, o IPCEP.
A organização criminosa é acusada de desviar recursos públicos através de contratos de mais de R$ 1,6 bilhão firmados com unidades de saúde na Paraíba e em outros dois estados.
De acordo com as investigações, no dia 8 de agosto de 2018, Leandro Nunes, assessor da secretaria de administração do Governo da Paraíba, já exonerado, recebeu uma caixa de vinho com dinheiro em um hotel na orla do Rio de Janeiro. O momento foi gravado pelas câmeras de segurança e está na denúncia do Ministério Público. A caixa foi entregue por Michele Louzzada Cardoso, que atuava juntamente com Daniel Gomes, líder da organização criminosa, conforme o Ministério Público. Desde 2016 até agora, o grupo teria desviado R$ 15 milhões pelo país.
MP suspeita que dinheiro entregue em caixa de vinho era para campanha eleitoral na PB
Segundo a denúncia do MPRJ, horas antes de pegar a caixa, Leandro recebeu uma ligação de um telefone celular registrado na agenda de Daniel Gomes como sendo de Waldson Souza, atual secretário de planejamento da Paraíba. A produção da TV Paraíba confirmou que o telefone continua sendo usado por Waldson Souza. Ele foi responsável pela contratação da Cruz Vermelha, em 2011, quando era secretário de Saúde da Paraíba.
Os investigadores também relatam que meia hora antes de chegar ao hotel, Leandro recebeu outra ligação, dessa vez de um celular pertencente à Secretaria de Administração do Estado da Paraíba. A produção da TV Cabo Branco ligou para o celular, mas caiu na caixa postal.
Ministério Público suspeita que dinheiro recebido por Leandro Nunes era para campanha eleitoral Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
O documento do Ministério Público do Rio de Janeiro registra que Leandro é assessor de Livânia Farias, secretária de Administração do Estado. Em 2011, um relatório do Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB) afirmava que a Cruz Vermelha não preenchia os requisitos da lei estadual para atuar na gestão do Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Mesmo assim, Livânia foi responsável pela qualificação e confirmação da Cruz Vermelha para atuar no estado como organização social.
Daniel Gomes, chefe do esquema, foi preso na Operação Calvário, deflagrada em dezembro de 2018, quando outras 10 pessoas foram detidas preventivamente, entre eles Roberto Calmom, que estava em um hotel da orla de João Pessoa. Ele é fornecedor da Cruz Vermelha.
Nos últimos oito anos, a Cruz Vermelha e o IPCEP receberam dos cofres públicos pouco mais de R$ 1,7 bilhão em todo o país. A Cruz Vermelha é responsável pelo Hospital de Trauma da capital desde 2011, e recebeu até setembro de 2018 mais de R$ 930 milhões.
O IPCEP administra o Hospital Geral de Mamanguape e, de julho de 2014 até setembro de 2018, recebeu do estado mais de R$ 110 milhões.
Em novembro de 2017, a organização social começou a atuar no Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, em Santa Rita, e, até dezembro de 2018, recebeu pouco mais de R$ 62 milhões, segundo o Ministério Público.
Michelle Cardoso demonstrou angústia com viagem para João Pessoa Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
No histórico de mensagens de Michele Cardoso, a assessora ligada a Daniel, o Ministério Público também identificou o que chamou de “missões clandestinas vinculadas ao financiamento de campanha políticas”. Em uma troca de mensagem com uma amiga, Michele comenta sobre a angústia de cumprir uma missão em João Pessoa. Segundo o MP, a missão era entregar dinheiro para campanha eleitoral. A viagem aconteceu entre os dias 23 e 24 de setembro de 2014, poucos dias antes da eleição.
Michele chegou em João Pessoa em voo particular, mas voltou em voo comercial. Após o resultado do 1º turno, em mais uma troca de mensagens, Michele e integrantes da organização relataram a insatisfação da disputa ter ido para o segundo turno. Em 2014, Cássio Cunha Lima (PSDB) ganhou o primeiro turno com 47,44% dos votos, contra 46,05% para Ricardo Coutinho (PSB).
A denúncia revela ainda que dias antes do 2º turno, Michele fez uma entrega de valores no Centro do Rio de Janeiro, o que teria substituído a vinda dela à Paraíba para fazer um pagamento referente à eleição. Na troca de mensagens, Michele demonstrava descontentamento por ter que vir à Paraíba e resolver negócios do grupo.
Já em junho do ano passado, no histórico de ligações do celular de Michele, o Ministério Público identificou seis contatos feitos com o celular registrado no nome de Coriolano Coutinho, irmão do ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho.
Em 2010, o tio do empresário Daniel Gomes, Jaime Gomes da Silva, contribuiu para o comitê estadual do PSB. Na época, Ricardo Coutinho era candidato ao Governo da Paraíba pelo partido. A doação legal ocorreu oito meses antes da Cruz Vermelha ser contratada pelo Governo do Estado para assumir a gestão do Hospital de Trauma da capital, que aconteceu em julho de 2011.
A contribuição do tio de Daniel foi de R$ 300 mil. Ele é português e nunca possuiu domicílio eleitoral na Paraíba. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, houve a primeira renovação do contrato de administração do Hospital de Trauma com a Cruz Vermelha. Ele durou até 2017, quando a organização ganhou uma nova licitação.
Conversas que o MP tiveram acesso mostram debate sobre segundo turno das eleições na Paraíba Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
O que dizem os envolvidos
Em nota, o Governo do Estado reafirmou a posição em continuar trabalhando para assegurar a manutenção da qualidade da prestação de serviços em todas as unidades hospitalares em funcionamento sob contratos com organizações sociais, protegendo a gestão e a aplicação correta dos recursos públicos. Também disse estar pronto para cobrar que os contratos sejam seguidos na sua mais eficiente integridade, sem riscos para o erário público e, especialmente, para o bem estar da população.
A secretária de administração Livânia Farias disse que a nota do Governo da Paraíba representa o posicionamento dela e não havia necessidade de emitir uma nota individual.
O secretário de planejamento Waldson Sousa, na época da denúncia secretário de Saúde e o responsável por assinar o contrato com a Cruz Vermelha, também disse que a nota do governo o representa e que se fosse mandar uma mensagem direta, de forma individual, assim o faria, mas que no momento não há necessidade.
A TV Cabo Branco tentou entrar em contato com Coriolano Coutinho, mas não houve resposta sobre os fatos.
João Azevêdo sobre as investigações
Após participação em sessão solene na Assembleia Legislativa da Paraíba, nesta segunda-feira (4), o governador João Azevêdo (PSB) declarou que acompanhou com naturalidade o cumprimento dos mandados e o suposto envolvimento de dois dos seus secretários.
Ele reforçou ainda que não se pode criminalizar o modelo de gestão a partir das Organizações Sociais nos hospitais da Paraíba, uma vez que, segundo o governador, foi esse mesmo modelo que melhorou as condições de atendimento do Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa.
“Foram cumpridos mandados de busca para recuperação de documentos que o Ministério Público entendeu que precisava, isso não significa culpabilidade de quem quer que seja, até porque os fatos referem-se, por exemplo, ao fato de Waldson ter sido secretário de Saúde em 2011 e 2012, ao fato da secretária de administração ter feito o trabalho de licitação da época. Não podemos criminalizar o modelo das Organizações Sociais porque foi esse esse modelo que transformou o Hospital de Trauma”, declarou à imprensa.